quarta-feira, 17 de março de 2010

Diagnóstico precoce do retinoblastoma pode salvar a visão e a vida das crianças

*Matéria do Correio Braziliense. para acessar o conteúdo original e as fotos, clique aqui.

Tumor é considerado o mais comum em todo o mundo e precisa ser identificado na primeira infância. Estudo revela grande incidência do mal no Brasil

Márcia Neri

Publicação: 17/03/2010 08:09 Atualização: 17/03/2010 09:01

Sabrina Lucas Assi Alves, 26 anos, não tem referências do que é enxergar perfeitamente. Aos 4 meses, o retinoblastoma, neoplasia altamente agressiva que se manifesta na primeira infância, acometeu seus olhos. Embora seja um câncer pouco conhecido pela população, o mal é considerado o tumor ocular mais comum em crianças do mundo inteiro. Dados iniciais de um estudo conduzido por médicos do Instituto Nacional de Câncer (Inca) revelam que a frequência do mal é maior no Brasil — com 2,4 a 9,8 casos para cada 1 milhão de habitantes — do que na Europa e nos Estados Unidos, que registram de dois a três casos para cada 1 milhão de pessoas. O próximo passo da pesquisa é identificar os motivos dessa diferença. Embora considerem cedo para conclusões, os pesquisadores do Inca ponderam que fatores ambientais e geográficos possam estar envolvidos.

Um reflexo esbranquiçado nos olhos de Sabrina causou estranheza na mãe da jovem, que peregrinou por diversos especialistas em busca de um diagnóstico. Quando os oftalmologistas finalmente detectaram o retinoblastoma, a mazela já havia tomado completamente o olho direito e o sistema nervoso central corria risco de ser atingido. A família de Sabrina viajou imediatamente para Campinas, que tem um centro de referência para o tratamento da doença. Os especialistas conseguiram salvar a vida da menina, mas o olho direito precisou ser removido. O esquerdo teve perda de 50% da visão.

O retinoblastoma é “democrático”. Não faz distinção de raça ou sexo e afeta um ou ambos os olhos de meninos e meninas em igual proporção. O mal é raríssimo depois dos 7 anos e o diagnóstico é geralmente feito nos primeiros 19 meses de vida. Embora incomum, a criança pode, inclusive, nascer com o câncer. Os maiores fatores de risco são histórico familiar da doença e alteração de um gene situado no cromossomo 13 — responsável pelo controle da divisão das células da retina. “Praticamente todos os casos que envolvem os dois olhos são hereditários. Quando o pai ou a mãe foi vítima do retinoblastoma, é importantíssimo fazer um exame detalhado no dia do nascimento da criança e acompanhar atentamente qualquer alteração nos olhos”, explica o oftalmologista André Hamada, do Hospital Oftalmológico de Brasília (HOB).

O diagnóstico precoce é considerado o ponto mais importante no tratamento. O problema é que os pediatras nem sempre detectam o retinoblastoma em consultas de rotina ou pelo próprio teste do olhinho, feito nos dias seguintes ao nascimento do bebê. Além disso, muitos pais desconhecem a doença e seus sinais. Os sintomas passam despercebidos, impossibilitando o encaminhamento imediato a um médico especialista. Segundo Hamada, quanto mais se demora na identificação do problema, mais comprometida fica a visão, porque o tumor se espalha rapidamente. “Quanto antes for diagnosticado, melhor o prognóstico. A possibilidade de cura do retinoblastoma é alta, chega aos 90%”, afirma. “No entanto, infelizmente, muitos pacientes chegam com o tumor em estágio avançado. Em casos críticos, é preciso remover o olho. Salvar a vida é sempre a nossa prioridade. Depois, tentamos preservar o olho e a visão.”

Sofrimento
Foi o diagnóstico tardio o responsável pela remoção do olho direito de Sabrina. O tratamento, realizado na década de 1980, foi penoso. “Fiz quimio, radio e crioterapia. Minha mãe conta que fiquei muito debilitada por conta da baixa imunidade, e isso postergou o processo de cura. O tumor cedeu, mas aos 17 anos fui submetida a uma cirurgia para remediar a catarata precoce, mal comum em crianças que passam por esse tratamento”, revela. Atualmente, o retinoblastoma é tratado com laser; braquiterapia, que é a radioterapia localizada; radioterapia externa e quimioterapia. A indicação depende do estágio do câncer e as alternativas disponíveis podem ser combinadas. O laser é usado em tumores pequenos.

“Quando o tumor está apenas na região periférica da retina, são grandes as chances da criança se recuperar e ter uma vida normal. Se ele atinge a área central dessa estrutura ou o nervo óptico, a visão pode sofrer comprometimento maior”, esclarece o oftalmologista Sebastião Ferreira Neto, do Hospital da Visão de Brasília.

O médico observa que a detecção da doença não é complicada, mas é facilmente confundida com outras lesões que ocorrem na infância, como a retinoplastia da prematuridade e catarata precoce. “O sintoma mais evidente é a leucocoria, um reflexo branco que se evidencia quando a pupila é submetida à luz artificial. O estrabismo também se manifesta com frequência”, acrescenta. Depois do tratamento, é fundamental acompanhar a criança, pois o tumor pode reincidir. Há três anos, Sabrina reviveu os momentos difíceis enfrentados pela sua família há mais de duas décadas. Rodrigo Lucas Alves, 3 anos, seu segundo filho, também foi acometido pelo retinoblastoma. “Sabia das grandes possibilidades disso acontecer, por isso fiquei atenta. Quando ele estava com 10 dias, notei o reflexo branco e imediatamente o levei ao oftalmologista, que não fez o diagnóstico. Insisti com outro especialista. Estava certa que era a doença e realmente foi constatado o tumor bilateral”, revela Sabrina.

Graças ao conhecimento da mãe, Rodrigo teve os olhos e a visão preservada. O tratamento foi feito com laser, quimio e crioterapia. O menino não perdeu peso e passou ileso aos efeitos colaterais da terapia. O tratamento durou cinco meses. “Fazemos exames constantes para acompanhar o restabelecimento do Rodrigo. Duas reincidências foram constatadas, mas puderam ser tratadas com laser. Os pais precisam estar atentos. Essa doença evolui rapidamente e um descuido pode comprometer a vida da criança. Hoje, eu levo uma vida normal na medida do possível. Trabalho, estudo, tenho uma família, mas tenho limitações. Não posso dirigir, por exemplo”, comenta Sabrina.

A química Helena Kussano Moura, 50 anos, tem um filho de 12 que também teve retinoblastoma. Quando foi feito o diagnóstico, os dois olhos estavam comprometidos pelo tumor. “Conseguimos salvar a vida de Kenzo, mas ele teve um olho removido e tem apenas 20% da visão do que foi preservado. Foi um baque para nós, que desconhecíamos totalmente essa doença. Mesmo com todas as restrições, porém, consideramos que meu filho tem uma história de superação. Ele venceu o câncer”, afirma.

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