quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Mais econômicos que muito marmanjo

*A matéria abaixo foi publicada no Correio Braziliense no dia 14.02.2009. Reproduzimos trecho dela. Para acessar o conteúdo completo (bem como as fotos copiadas abaixo), clique aqui.

Quem disse que dinheiro não é para ficar na mão de criança? Muitos meninas e meninos dão exemplo de disciplina e determinação e conseguem, de moeda em moeda, comprar seus objetos do desejo
Diego Amorim

Publicação: 14/02/2010 10:18

Quando Nathan colocou na cabeça que queria porque queria um videogame portátil, ele
primeiro tentou o caminho mais fácil. “Papai não tem condições, meu filho”, ouviu do brigadista José Júnior Diógenes Bessa, 42 anos. Começava ali a saga de um garoto de 9 anos em busca do seu objeto de desejo. Uma aula de educação financeira. De deixar muito adulto com inveja. Nathan decidiu, por conta própria, juntar o dinheiro. E era um dinheirão: R$ 820.

Nathan se virou para juntar R$ 820 necessários para comprar o videogame portátil com que tanto sonhava: aula de como poupar

Sem mesada, semanada nem qualquer outra fonte de renda, o menino precisou se virar sozinho. Não era problema. Ele fez planos e bolou estratégias para alcançá-los. Regra número 1: nenhuma moeda deveria ser desprezada. Regra número 2: todo e qualquer parente, do tio mais chato ao primo mais velho, precisaria ser convencido a ajudar naquela empreitada. Regra número 3: se necessário fosse, até o dinheiro das balas e do r
efrigerante na escola acabariam indo para o cofrinho.

No primeiro mês, o garoto percebeu que juntar R$ 820 não ia ser tão fácil quanto receber do pai o presente. Teve, então, mais ideias. Pegou as figurinhas do Pokémon guardadas em casa e vendeu para coleguinhas do colégio. Em uma viagem para Caldas Novas (GO), sugeriu uma aposta a um dos tios: quem ficasse mais tempo embaixo d’água ganhava dinheiro. Nathan, claro, venceu a brincadeira inventada por ele. Depois, fez as contas e descobriu que tinha apenas R$ 160.

Até que chegou outubro do ano passado, mês do seu aniversário. Era a grande oportunidade de engordar o caixa. O garoto ligou para cada um dos convidados e deu a ordem: “Não quero presente. Quero dinheiro. Se puderem ajudar…” Valia quase tudo em nome do tal videogame portátil. Os avós foram generosos. Um deles deu logo de uma vez R$ 300. Nathan pulou de alegria. Refez os cálculos e descobriu que faltava muito pouco para chegar aos R$ 820.

Passada a festa, o pai não aguentou. Chamou o filho e, juntos, foram à Feira dos Importados. “Hoje, vamos comprar seu presente”, avisou. Depois de mais de um ano de muita determinação, Nathan conseguiu o que tanto queria. Foi um dia mágico para ele. “O empenho dele nos surpreendeu, foi uma força d
e vontade incrível”, emociona-se o pai, que não se incomodou em desembolsar os R$ 120 que faltavam. “Pra mim, foi uma vitória”, resume, tímido, o garoto.

Hanna tem 9 anos, mesma idade de Nathan. É outro exemplo de uma criança com consciência financeira. Ela mesma é quem administra o dinheiro que recebe dos pais. Quando quer comprar alguma coisa, faz sacrifícios e guarda a quantia necessária. “Tenho amigas que a mãe dá tudo o que elas pedem. E isso não é bom porque a gente vai crescer e não vai poder ficar dependendo da mãe sempre”, ensina a menina.


Hanna administra bem o dinheiro que recebe da mãe: R$ 1,5 mil na conta

O valor que Hanna ganha por semana depende do comportamento dela, em casa e na escola. Se tudo correr bem, são R$ 8. “Se eu mentir, não ganho nada. Mas se eu me comportar muito, muito bem, posso ganhar até R$ 11”, detalha. No fim do ano passado, a garota pediu à mãe uma mochila nova. Verde e cheia de bolsos. Quanto? R$ 180. Simone Vasconcelos, 43 anos, coordenadora pedagógica da escola da filha, negou. Hanna teria que usar o próprio dinheiro.

A menina remexeu a carteira e foi às compras. “É bom ficar com dinheiro na mão porque pagando à vista você pode ter mais desconto”, explica. A estratégia deu certo. O vendedor cobrou R$ 15 a menos. Na poupança da menina, que recebe a semanada desde os 4 anos, acumulam-se cerca de R$ 1,5 mil. “Aprendendo a lidar com o dinheiro, as crianças ganham mais responsabilidade. Fico tranquila com ela. Muito adulto não consegue fazer o que ela faz”, orgulha-se a mãe.

Felicidade
Especialistas defendem que ensinar as crianças a lidar com o dinheiro é prepará-las para a vida. Quem consegue fazer o que Nathan e Hanna fazem costuma dar mais valor às conquistas e aprende a controlar melhor a ansiedade. “Quem tem essa consciência é mais feliz”, avalia o educador financeiro Álvaro Modernell. “Não estamos falando em ensinar crianças a ficarem ricas. A felicidade está baseada no equilíbrio, não na riqueza”, completa o autor de seis livros sobre o tema.
(...)
Dicas
Envolva as crianças no orçamento familiar. Marque reuniões com elas e explique, de maneira didática, quanto de dinheiro entra e quanto sai da casa.

Faça com que elas se sintam participantes do orçamento. Exemplo: explique que quanto menos tempo no banho ela demorarem, menor virá a conta de água.

No caso dos brinquedos, faça o filho perceber que são produtos iguais, apesar dos valores diferentes. Se for presenteá-los com aquele mais caro, sugira alguma tarefa em troca, como menos lanches fora de casa naquela semana.

Lembre que o não de hoje pode ser importante para o futuro da criança. Ensine, desde cedo, que ela não pode ter tudo ao mesmo tempo.

Em casa e na escola
O conceito de educação financeira ganha força em todo o mundo. No Distrito Federal, algumas escolas trabalham o assunto, mas de maneira esporádica. “É preciso uma mudança de cultura e de atitudes”, sustenta. “Se as escolas preparam as crianças para a vida, elas não podem se esquecer de que o dinheiro faz parte da vida de todos”, acrescenta ele, que tem feito palestras em colégios do DF.

A tendência, nos próximos anos, é de que educadores se atentem à necessidade de envolver os alunos no mundo do dinheiro. Reinaldo Domingos, especialista no tema, acredita que a mudança partirá das crianças: “Os adultos já estão cheios de hábitos e vícios”. Ele defende que, em casa, é preciso romper com o tabu de que a garotada não deve se meter no orçamento doméstico. “Os filhos precisam sentar à mesa com os pais e conhecer as contas da casa”, orienta.

Os educadores financeiros lembram que crianças consumistas têm grandes chances de virarem adultos com problemas financeiros. Reinaldo Domingos preparou um questionário (veja arte) para que os pais possam ter ideia de como os filhos lidam com o dinheiro. O teste vale para crianças a partir de 7 anos. (D.A)

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