quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Mais Rercursos para a Educação Obrigatória

Com algumas polêmicas...

Vital Didonet

OMEP

Ontem, no final do dia, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em segundo turno, a PEC da DRU. Mas ela não é apenas uma emenda constitucional que reabre a parte da janela pela qual entram os recursos federais para MDE, que o Fundo Social de Emergência (FSE), depois Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, posteriormente, Desvinculação dos Recursos da União (DRU) havia fechado. Agora a PEC volta para o Senado, para votação das modificações introduzidas pela Câmara na proposta original, que é daquela Casa.

Nós, da educação, estamos muito contentes, porque o MEC terá alguns bilhões de reais a mais por ano. Há um sentimento de contentamento e expectativa de que o retorno à situação anterior à 1995, quando foi adotada essa desvinculação prévia à vinculação constitucional de 18% da arrecadação de impostos para a educação para a União, possibilite maior apoio aos sistemas de ensino dos Estados, DF e Municípios, incluindo os programas complementares (transporte e saúde escolar, livro e materiais didáticos, bibliotecas, etc), além de atender melhor à rede federal de ensino.

Mas há outro item na PEC 277 que altera profundamente a concepção e a gestão da educação básica, que não é notícia, que "passou batido", que não foi objeto de debate nem reflexão sobre sua importância, conveniência ou necessidade. É a obrigatoriedade imposta às crianças de 4 e 5 anos de frequentar a pré-escola e, também, aos adolescentes de 15 a 17 anos, o ensino médio. A notícia publicada no Terra, que transcrevo abaixo, estampa a ignorância e o desinteresse pela outra parte da PEC que não “mais dinheiro para a educação”. Toda a informação é sobre RECURSOS. Apenas uma linha, das quinze, é dedicada à questão da obrigatoriedade. Essa é de somenos importância, talvez porque não é compreendida. Tão incompreendida que o artigo fala que a PEC "assegura o direito à educação gratuita para as pessoas de 4 a 17 anos".

"O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira a proposta de emenda à Constituição (PEC) que acaba, gradualmente, com a incidência da Desvinculação de Receitas da União (DRU) sobre o dinheiro do governo federal destinado à educação. A aprovação aumenta os recursos da área. A informação é da Agência Câmara.

A PEC 277/08, do Senado, foi aprovada em segundo turno com 390 votos a favor e 3 abstenções. Como houve mudanças em relação ao texto original dos senadores, a matéria retornará ao Senado para nova votação. Se aprovada na nova votação do Senado e promulgada, a educação, que deveria receber este ano do Tesouro Nacional cerca de R$ 20,9 bilhões, poderá receber aproximadamente R$ 24,5 bilhões, ou seja, cerca de R$ 3,6 bilhões a mais do que o previsto.

Atualmente, a DRU é descontada da arrecadação dos tributos e contribuições federais no índice de 20%. De acordo com o substitutivo, ela será gradualmente reduzida ao longo de três anos para o setor educacional. Em 2009 e 2010, serão descontados, respectivamente, 12,5% e 5%. O texto também assegura o direito à educação básica gratuita para as pessoas de 4 a 17 anos.

Com informações da Agência Brasil.

Faço alguns comentários:

(a) não é a PEC 277 que assegura o direito à educação gratuita, mas a Constituição Federal de 1988. É essa a confusão que algumas pessoas fazem e não foram capazes de perceber quando a emenda da obrigatoriedade foi inserida e aprovada na PEC da DRU. Até parlamentares entendiam que o que estava sendo posto era a obrigação para o Estado atender... Como se ele já não estivesse obrigado pelo art. 208, I, da Constituição Federal.

(b) será que o tema da obrigatoriedade não merece um debate mais profundo, da sociedade e dos sistemas de ensino? Provocativamente, levanto algumas questões, com o único intuito de ganharmos clareza e segurança sobre elas:

- É preciso recorrer à imposição de um dever de assistir aulas, de frequentar escola, para que as crianças e adolescentes se apresentem para a matrícula e aprendam o que a escola deve lhes ensinar? O que universalizou o ensino fundamental não foi essa obrigação. Ela somente alcançou a taxa elevada de 93% quando o Fundef assumiu esse objetivo e lhe deu condição prática.

- O que se pensou sobre a frequência à pré-escola das crianças de 4 e 5 anos na floresta amazônica, no interior das fazendas do Mato Grosso, e das crianças indígenas? Se esse dispositivo da PEC 277 for aprovado também pelo Senado, não haverá comunidade indígena, próximo às cidades ou no coração da amazônia que possa isentar seus pequenos indiozinhos de frequentar a pré-escola, nem secretário municipal de educação que possa esquivar-se da pressão do Ministério Público para que todas as crianças do seu território estejam diariamente numa sala de pré-escola.

- Sou contra a pré-escola? Em absoluto. Lutei pela educação infantil como direito da criança de zero a seis anos durante a Assembléia Nacional Constituinte e, coordenando o Movimento Criança e Constituinte, conseguimos unanimidade na votação da Emenda Popular que pedia a inserção desse direito na Constituição. Mas penso numa educação infantil atrativa por si mesma, um ambiente de aprendizagem lúdica, tão agradável que as crianças queiram ir. Há exemplos de pré-escolas que conseguem esse sentimento nas crianças. Estar nesse espaço infantil por obrigação, sob o jugo do dever, contradiz a pedagogia da educação infantil.

- A pré-escola vem alcançando taxas de atendimento quase comparadas à do ensino fundamental sem nunca ter sido cogitada como obrigação da criança ou da família. Ela se expande porque há demanda social e responde a uma necessidade das famílias, porque os pais compreendem seu valor, porque há disposição de oferta pelos sistemas de ensino. A taxa de matrícula aumenta na medida em que cresce a oferta e melhora a qualidade das pré-escolas. Em breve, ela poderá alcançar o patamar de 90% da população na faixa etária correspondente.

- O argumento que alguns técnicos e gestores educacionais usam de que a obrigatoriedade vai trazer para a pré-escola as crianças mais pobres, hoje excluídas e, portanto, duplamente prejudicadas no seu desenvolvimento, é um sofisma. Muito simpático, com fisionomia de justiça social, medida que promove a inclusão numa sociedade desigual e excludente. Esse argumento esconde o rosto do poder público, envergonhado porque não oferece educação infantil aos mais pobres, porque não constrói pré-escolas onde os excluídos se encontram. Em substituição ao “dever de garantir o atendimento”, que incide sobre o Estado, com ares de bom administrador, lança sobre as crianças (seria sobre as excluídas?) a imposição de que estão obrigadas a vir à pré-escola. Elas é que são as culpadas por não estarem na pré-escola, suas famílias é que são relapsas e omissas em relação a esse benefício que a educação pré-escolar oferece.!

- Antes de propor essa obrigatoriedade sobre as crianças, houve avaliação de algumas iniciativas semelhantes ocorridas em outros países? Onde está a demonstração de que foi uma medida política e educacional positiva?

- O fratura da educação infantil, entre creche e pré-escola, que vai ser provocada pela forma como a PEC 277 introduz a obrigatoriedade da pré-escola (vinculando recursos públicos a esta, inclusive no item qualidade, deixando a creche na berlinda) significa um retrocesso ao período pré-Constituição Federal de 1988 e pré-LDB, de 1996. Em ambas, o propósito era dar unidade ao processo educacional do nascimento aos seis anos e garantir que os três primeiros, na creche, tivessem objetivo e conteúdo de educação, superando o viés assistencialista. A destinação dos recursos financeiros prioritariamente à faixa obrigatória, proposta pela PEC 277, anuncia o retorno da creche àqueles tempos.

Não entro, aqui, na discussão sobre a obrigatoriedade no ensino médio. São histórias e contextos diferentes da educação infantil.


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