quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Crianças faturam até R$ 2 mil em 245 faróis, esquinas e feiras de SP

*Texto enviado por Marilda Duarte. Confira o texto e foto na página do Estadão.

Com a chegada das festas de fim de ano, rendimento de mendicância infantil salta de R$ 40 para R$ 70 por dia
Fernanda Aranda

A cidade de São Paulo tem pelo menos 245 pontos - entre cruzamentos, semáforos e feiras livres - em que há concentração de mendicância infantil. Nesses locais, meninos na maioria com idade entre 8 e 11 anos conseguem fazer a esmola render até R$ 2 mil por mês. O mapeamento foi feito por equipes de agentes sociais ligadas à Prefeitura. Os técnicos afirmam que essas mesmas áreas tendem a ficar mais disputadas pelas crianças com a proximidade das festas de fim de ano. Garotos e garotas sabem que a solidariedade aflorada reverte-se em mais dinheiro quando pedem esmola nas janelas dos carros ou quando apresentam malabares.

O raio X da mendicância urbana de crianças e adolescentes foi coordenado pelo pedagogo Itamar Moreira, com o auxílio do Instituto Social Santa Lúcia e do grupo Presença Social nas Ruas, entidades conveniadas à Secretaria Municipal de Assistência Social, responsáveis por projetos de combate à mão de obra infantil. Moreira contou os casos e regiões de incidência durante todo ano passado e publicou o livro com os resultados em outubro deste ano. Dos 245 pontos revelados, 25,7% estão em Pinheiros, zona oeste; 17,1% em Santo Amaro, zona sul, e 15,1% em Santana, zona norte. Lapa, Vila Mariana, Mooca, Jabaquara, Saúde, Moema e centro são as outras regiões de maior concentração dessas crianças.

"Perto do fim de ano, o trabalho de tentar resgatar os meninos fica ainda mais complicado, porque eles ganham muito mais dinheiro nesta época", afirma Moreira. Jonathan, de 13 anos - um dos meninos atendidos pela entidade -, confirma o adicional no rendimento. Ele costuma ganhar R$ 40 por dia. Mas, entre novembro e dezembro, em abordagens de só "dois ou três carros" que passam pela Avenida Brasil (onde faz malabares), "dá para levar uns R$ 70 "contos"".

Não é o aumento da renda o único desafio do trabalho de resgate dos meninos das vias públicas, diz Moreira. "Outro complicador é que a população no geral tem resistência em enxergar esses meninos como vítimas de exploração de trabalho. Se, em vez do malabares eles estivessem com uma enxada nas mãos, a associação seria imediata. Mas como as crianças nos faróis já fazem parte do cenário dos cruzamentos, parece que ficam invisíveis."

Gabriella Bighetti, gerente de Projetos da Fundação Telefônica - que por meio do projeto Pró Menino trabalha a questão da mão de obra infantil nas metrópoles - cita outros perigos a que crianças "invisíveis" estão expostas. "Aliciamento criminoso, exposição ao uso de drogas e abuso sexual", completa. Outras vulnerabilidades são a exposição ao sol sem proteção e desidratação.

Anderson, de 16 anos, mostra sua cicatriz na perna direita como exemplo de um outro perigo dos faróis. "Foi um jipe que me pegou. Fiquei internado dois meses na Santa Casa", conta, ao citar que muitos dos seus amigos "já foram atropelados".

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74% dos pedintes frequentam escola
Meninos têm dupla jornada e reprovam por excesso de faltas; 43% vendem algo e 30% apenas pedem esmola
Fernanda Aranda

A maioria das crianças malabaristas, pedintes ou trabalhadoras presentes em cruzamentos de São Paulo pratica "dupla jornada". Segundo pesquisa do pedagogo Itamar Moreira - coordenador de projetos da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social -, 74% desses meninos intercalam as atividades na rua com a escola. "É fato também que, apesar de matriculados, muitos repetem de ano por excesso de faltas", diz Moreira. O impacto no aprendizado é direto.

Mapa localiza 30 pontos de mendicância infantil nas ruas de São Paulo

Em M"Boi Mirim, na zona sul, por exemplo, seis meninos da mesma rua "viajavam" até o centro para trabalhar todos os dias. Eles estavam no grupo etário entre 8 e 13 anos quando foram encontrados pelas equipes coordenadas por Moreira. Nenhum estava em série escolar compatível com a idade.

O levantamento foi feito em entrevistas com pais, familiares e os próprios meninos, selecionados nos 245 pontos da cidade, mapeados por Moreira e outros agentes sociais, em que há concentração de mendicância e trabalho infantil. Foram 50 entrevistas completas (crianças e família), que ajudaram a traçar o perfil da mão de obra infantil identificada nos locais.

Do total, 43% deles vendem produtos e 30% só pedem, sem "oferecer" nada em troca. A companhia da família durante o serviço é recorrente: 76% afirmam ir acompanhados para o trabalho - 35% têm a companhia dos pais. Dessa parcela, 8% têm só entre 0 e 7 anos.

Pelas definições do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o fato de existir uma estrutura familiar por trás das crianças do farol faz com que os parentes ocupem a posição de abusadores da mão de obra infantil e eles podem ser indiciados criminalmente. No geral, mostrou pesquisa da economista da PUC-SP Claudia Cirino de Oliveira, o motivo prevalente para o início na jornada mirim de trabalho é a pobreza extrema. Quatro em cada dez meninas de 12 a 17 anos que trabalham no País tinham renda mensal inferior a R$ 122.

"É claro que uma série de fatores influencia nessa situação, mas a miséria é o que empurra para esse caminho, até mesmo no farol ou estradas", diz Claudia. Os especialistas lembram que muitos buscam os faróis como complemento e não como renda principal. "Quase sempre temos de fazer trabalho de conscientização com a família que, por falta de instrução, nem reconhece os malabares como problema", diz Moreira.

O último censo realizado em 2006 pela secretaria contabilizou 3,6 mil crianças em situação de trabalho infantil. Um novo dado sobre moradores de rua, que englobam informações sobre crianças e adolescentes, deve sair em 2010.

A secretaria informou que os programas de combate ao trabalho infantil são constantes, mas não há uma ação específica para este período do ano em que, apesar de não existir um estudo, há percepção de aumento do "exército" de meninos e meninas nas ruas. Em uma volta pela cidade, a reportagem encontrou três locais que são mais frequentados no período: Viaduto do Glicério; Avenida Marquês de São Vicente e Largo Ana Rosa.


Fonte:
03 de Dezembro de 2009

Sugerido por:
Marilda Duarte
Celular 11 8259 9733

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