segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Regra e exceção

ANDREI BASTOS
(texto retirado do Blog do autor)

Minhas convicções relativas à inclusão da pessoa com deficiência são tais que me levam a rejeitar a própria palavra deficiência, e o conceito que ela expressa. Sou uma pessoa amputada, assim como existem pessoas cegas, paraplégicas, com síndrome de Down, surdas, com paralisia cerebral etc. Para mim, as chamadas deficiências não existem, sendo apenas atributos dos seres humanos que as têm, da mesma forma que as pessoas são gordas ou magras, altas ou baixas, feias ou bonitas.

Quem me conhece sabe que sou absolutamente contrário a qualquer coisa que configure, material ou imaterialmente, discriminação e segregação de pessoas com as ainda chamadas deficiências. Quando todos acreditavam que a excrescência do Estatuto do Portador de Deficiência dos senadores Paulo Paim e Flávio Arns, o “Estatuto do Coitadinho”, era inevitável, o denunciei pelo simples fato de ser uma proposta de Estatuto e por conter em seu texto armadilhas e traições ao segmento que supostamente beneficiava. Indo mais longe, até fiz com que um advogado paraplégico meu amigo fizesse a leitura dessa baboseira comigo, os dois trancados no escritório durante um carnaval.

Por outro lado, será tão equivocada quanto a aceitação do “Estatuto do Coitadinho” qualquer tentativa de implementar a Educação Inclusiva com canetadas.

Descontando qualquer traço evolucionista, os seres humanos são os mesmos desde sempre, com ou sem as chamadas deficiências. O que mudou foi o conhecimento e o entendimento das condições e possibilidades reais de todas as pessoas, particularmente daquelas com atributos ainda identificados como deficiências. O Imperial Instituto dos Meninos Cegos, o atual Instituto Benjamin Constant, foi criado em 1854 por D. Pedro II, nosso Imperador, que em 1857 apoiou o professor francês Hernest Huet na criação do Imperial Instituto de Surdos Mudos, o INES dos dias de hoje.

Do tempo do Império para cá, no Brasil como no mundo, muita água rolou por baixo da ponte das pessoas com as chamadas deficiências. A motivação do interesse pela questão, que era caridosa ou humanista, passou a ser política e de luta por direitos, o atendimento, que era assistencialista e filantrópico, passou a ser obrigação legal, e a abordagem técnica, que se baseava em parâmetros médicos, passou a se basear em parâmetros de funcionalidade.

Antes da chamada Educação Inclusiva, que começou com uma lei nos EUA em 1975, passou pela Declaração de Salamanca em 1994, existia uma regra e suas exceções, quando o que se conhecia era a “Educação Especial”.

Nesse período, anterior às conquistas consolidadas pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada no Brasil com equivalência de Emenda Constitucional, a regra era de que todas as pessoas com as chamadas deficiências deveriam frequentar escolas especiais. As exceções eram representadas pelos Beethovens e Louis Brailles da vida, todas geniais.

Depois que as conquistas de direitos, os avanços da ciência e os progressos tecnológicos evidenciaram que a maioria das pessoas com as chamadas deficiências tinha potencial para frequentar as escolas regulares, precisando apenas de atendimento a necessidades específicas, arquitetônicas ou tecnológicas, o que era regra passou a ser exceção e o que era exceção passou a ser regra. Os gênios, estes continuam e continuarão a existir, independente de seus atributos físicos, intelectuais ou sensoriais.

Ou seja: nem tanto ao mar e nem tanto à terra, apesar de tudo de bom que foi conquistado, não sendo possível esquecer as atuais exceções, de alto grau de comprometimento, em qualquer discussão sobre implementação da Educação Inclusiva, e sendo rigorosamente impossível eliminar do mapa as chamadas escolas especiais, que ainda têm importante papel a desempenhar no processo de inclusão, particularmente nos rincões brasileiros, que ainda vivem na Idade Média da Inclusão.

Se instituições como o Benjamin Constant e o INES hoje são dinossauros gigantes e burocráticos, cabe a nós atuar para ajustá-los à nova realidade do público que atendem, otimizando o uso das suas grandes estruturas e imprimindo-lhes o dinamismo que a pressa dos nossos dias impõe.

A equação se inverteu, mas permanece sendo de regra e exceção.

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Confira o artigo no Blog original.


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