quarta-feira, 28 de abril de 2010

A responsabilidade da escola na proteção de crianças e adolescentes

* Matéria do site Mercado Ético, enviada por Marilda Duarte. Confira aqui.

O educador precisa não só conhecer bem o tema, mas ter sensibilidade para denunciar e prevenir todas as formas violência cometidas contra meninos e meninas


É lei: o professor e demais profissionais das redes públicas e particulares de ensino têm a responsabilidade de comunicar às autoridades competentes qualquer caso suspeito de violência ou maus-tratos contra estudantes com menos de 18 anos. Esta determinação está prevista no artigo 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei 8.069/90). Mas, para exercer de forma eficaz este papel de vigilância, o corpo docente precisa estar capacitado para reconhecer os sinais de que a criança pode estar sendo vítima de violência - em especial nas situações de cunho sexual.

Na prática, no entanto, não é isso o que se verifica na maioria das escolas brasileiras. Seja pela falta de formação específica para identificar estes casos de violência ou pelo não reconhecimento dessa tarefa enquanto responsabilidade dos educadores, o fato é que professores, orientadores e diretores de escolas ainda estão pouco envolvidos com o tema. O corpo docente precisa entender urgentemente que sua prática cotidiana deve se pautar pela defesa dos direitos de meninos e meninas e pelo combate à violência, tentando superar, assim, a postura que muitas vezes prevalece: a da omissão.

Governo prepara professores
O Governo Federal desenvolve desde 2004 o Projeto Escola que Protege (EqP) por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação (MEC). A iniciativa está inserida na agenda de promoção e disseminação dos direitos humanos no espaço escolar, dialogando com outros projetos, como o “Educação em Direitos” e o “Gênero e Diversidade Sexual”. O objetivo é combater as diferentes formas de discriminação vivenciadas no ambiente da escola, como a étnico-racial, de gênero e de orientação sexual. O trabalho de qualificação de professores é realizado por universidades selecionadas pelo Ministério da Educação (MEC).

Gestão Federal 2007-2010
Em 2007, foram aprovadas 22 propostas de instituições públicas de ensino superior, sendo quatro estaduais e 18 federais. Cada instituição recebeu, em média, o valor de R$ 100 mil, com a meta mínima de formação de 700 profissionais de ensino fundamental por Instituição de Ensino Superior (IES) apoiada. Entre 2008 e 2009, o Ministério apoiou outros 21 projetos de IES , formando 10.500 profissionais de educação em diferentes estados. Para 2010, existem 15 propostas aprovadas e já em execução. A expectativa da Secad é de que o total de profissionais formados durante o período de 2004 a 2010 supere 34 mil. O convênio exige que a IES firme parceria com a Secretaria de Educação estadual ou municipal, com o objetivo de garantir o apoio institucional para o pleno desenvolvimento das atividades previstas pelas IES.

O papel dos estados e municípios
De acordo com a Secad/MEC, a atuação das secretarias municipais e estaduais de educação são fundamentais para a implementação do Projeto Escola que Protege (EqP). Entre várias atividades, as principais responsabilidades destas instâncias são:
  • Contribuir para a formulação de políticas educacionais voltadas para o enfrentamento a todas as formas de violências contra crianças e adolescentes - aprofundando o diálogo com o sistema de ensino em seus diferentes níveis de governo e aprimorando o fluxo de notificação de casos de violações de direitos.
  • Liberar os profissionais para participar das atividades de formação do Escola que Protege.
  • Participar do projeto de acordo com o plano de atividades das instituições de ensino superior (IES).
  • Comunicar à comunidade local sobre como participar do EqP.
Professores defendem que projeto se torne programa
Professores e coordenadores das universidades estiveram reunidos em Brasília, em 2009, para uma avaliação do Escola que Protege (EqP). A principal reivindicação é que se torne um programa de governo. Profissionais da área temem que, pelo fato de ser um projeto, a atividade possa sofrer interrupção. De acordo com especialistas, garantir a continuidade da iniciativa é fundamental, tendo em vista que ainda não é possível avaliar em profundidade seus impactos.

Esse diagnóstico só estará disponível em médio prazo, pois o processo envolve uma mudança de cultura no ambiente escolar com base na promoção dos direitos humanos. Segundo informações da Secad, já existe um planejamento interno para regulamentação ou normatização do EqP. A promessa é que isso ocorra ainda na atual gestão, por meio de decreto ou portaria. A sociedade civil, bem como os próprios professores, podem fomentar essa discussão, seja por mobilização direta, por carta ou por abaixo-assinado.

São Carlos é referência no Estado de São Paulo
Em São Paulo, o EqP é considerado por especialistas na área como um modelo de sucesso na capacitação de profissionais de educação. A iniciativa é coordenada pelo Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (Laprev) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O projeto foi iniciado em escolas municipais da cidade e em 2010 já está confirmada a adesão de mais 20 instituições de outros municípios, sendo 15 na capital, duas em Campinas, duas em São José do Rio Preto e uma em Ribeirão Preto. De acordo com a pesquisadora do Laboratório, Gabriela Reyes, desde 2009 os municípios selecionados capacitam, além de professores, também psicólogos, assistentes sociais e profissionais do judiciário. A decisão atende o edital do MEC que exige a participação de 15% de profissionais da rede de proteção dos direitos da infância e da adolescência.

Pesquisa realizada pelo Laprev no ano passado revelou que sete em cada 100 crianças do município de São Carlos sofrem algum tipo de violência. De acordo com o laboratório, possivelmente os dados oficiais não correspondem à realidade diante das dificuldades de denúncia. Segundo informações da chefe de divisão de educação especial da Secretaria Municipal de São Carlos, Vanessa Paulino, em 2009 foram identificados, pelo corpo docente, 33 casos de agressão, sendo 11 de abuso sexual. Para ela, a capacitação dos professores veio como complemento ao trabalho já realizado por psicólogos na rede de ensino.

A secretária da educação de São Carlos, Lourdes de Souza Moraes, afirma que o projeto já surte efeito. Ela explica, que depois do curso, os profissionais de educação passam a ter mais coragem de denunciar situações de violação. “No início foi difícil, pois os professores tinham medo de fazer a denúncia. Hoje é diferente, pois eles já estão sensibilizados, motivados e sabem como proceder”.

Lourdes aponta resultados de denúncias de abuso sexual que estão sob investigação, envolvendo crianças do ensino infantil e fundamental. Na maioria das ocorrências, os alunos não apresentam sinais de violência física. Um dos crimes só foi descoberto porque a professora estava atenta e ouviu a narração de uma história envolvendo personagens que delatavam o ocorrido. Já capacitada pelo curso, acredita que fez a pergunta certa na hora certa; “Porque você faz isso? Vê alguém fazendo isso ou fazem isso com você?”. A aluna, confiante, desabafou. O abuso foi comprovado pela equipe de psicólogos do Laprev.

Governo aumenta Investimento
A coordenadora-geral de direitos humanos da Secretaria de Educação Continuada, Rosilea Roldi, explica que o EqP faz parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), onde constam ações e atividades estruturantes da Política Nacional de Educação executada pelo MEC.

Rosilea ressalta ainda que o projeto dispõe de orçamento no Plano Plurianual (PPA), destinado exclusivamente para financiamento de ações na área da proteção de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. “O EqP já conta com características de programa - tem uma fonte de recurso própria, ação continuada e consta no Planejamento do Governo Federal”, defende. A coordenadora também informa que a verba destinada ao projeto vem aumentando significativamente. No ano de 2008 foram R$ 6,5 milhões e, em 2009, o valor passou para R$ 7,8 milhões. Para 2010 o recurso previsto é R$ 9,3 milhões (um aumento de mais de 43% em relação a 2008). A expectativa é que em 2011 chegue a mais de R$ 14 milhões.


Prefeituras têm dificuldades para implementação
Para a secretária de políticas sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Rosana Sousa do Nascimento, as prefeituras estão encontrando muitas dificuldades em acessar os programas do governo. Segundo ela, há falta de compromisso e interesse de muitas secretarias municipais em se comprometer com políticas públicas como o projeto Escola que Protege (EqP). “No Acre, por exemplo, a demanda por uma ação que ofereça proteção aos alunos é grande. Aqui os programas do MEC/Secad quase nunca chegam. Falta inclusive divulgação. Se os professores fossem capacitados, o índice de violência, que é alto, poderia ser menor”, afirma. Ela atribui isso a problemas de pouca mobilização por parte das secretarias municipais de educação.

Para a coordenadora do Núcleo de Estudos Socioculturais da Infância e Adolescência da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Rosângela Francischini, o EqP tem um objetivo louvável e mais do que necessário, pois os profissionais nem sempre estão atentos às questões de violação dos direitos. Mas, na opinião da professora - que também é responsável pela execução do projeto em Natal - ele nem sempre cumpre o papel no estado, já que não foi alcançada a meta de profissionais capacitados. De acordo com a coordenadora, não foi possível formar os 700 profissionais previstos. Em 2006, foram 102 pessoas matriculadas no curso presencial, destas 63 receberam certificado, o que representou 62% de aprovação.

Membro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) entre 2006 e 2008, o procurador-geral de justiça do Rio Grande do Norte, Manoel Onofre de Souza Neto, vê o EqP como uma alternativa importante e estratégica no enfrentamento do problema. Mas, para ele, o formato da proposta, no que se refere à mobilização e implicação das instituições participantes, precisa ser aperfeiçoado. “Devem ser instituídos elementos de continuidade e avaliação de resultados”, observa. Porém, para Onofre, de acordo com a experiência em seu estado, o projeto apresentou qualidade e consistência no conteúdo programático. O nível da equipe de professores ministrantes foi alto e, com o EqP, educadores passam a conhecer a rede de Proteção e o ECA - desconhecidos, até então, para a grande maioria.

Projeto de Lei propõe qualificação no ensino básico
Com o objetivo de facilitar a identificação de maus-tratos e abuso sexual sofridos por alunos e alunas, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) propôs que os cursos de formação de pedagogos e professores da educação básica ofereçam orientações sobre os efeitos decorrentes dessas práticas. A sugestão é apresentada sob a forma de Projeto de Lei (PLS 638/07), que insere o artigo 59-A no ECA, dispondo sobre a capacitação de profissionais da educação básica na identificação de efeitos decorrentes de maus-tratos e de abuso sexual praticados contra crianças e adolescentes.

Apresentada em 2007, a proposta recebeu parecer favorável na Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH) e, em novembro de 2009, após aprovação na Comissão de Educação (em caráter terminativo), o PLS foi remetido à Câmara dos Deputados para debate em suas comissões.

Ao defender a medida, Buarque argumenta que os professores não são devidamente preparados para identificar os efeitos físicos e psicológicos manifestados pelas vítimas da violência.


A escola como agente de denúncias
Para a coordenadora da Secad, Rosilea Roldi, grande parte dos profissionais da educação comunga de uma visão deturpada da infância e da adolescência, que não percebe meninos e meninas como pessoas possuidoras de direitos. Ela destaca a importância de envolver as secretarias de Educação e as escolas, considerando que o profissional de educação não deve sentir-se fragilizado, caso precise denunciar violações de direitos. Rosilea explica que a Secad articula a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial para construção de um fluxo único de identificação, notificação e encaminhamento de casos de violências. Esse fluxo indicará o caminho a ser percorrido por qualquer profissional ligado à Rede de Proteção para que as denúncias sejam feitas de forma mais sistemática. Segundo ela, isso é uma tentativa de fortalecer as instituições que devem proteger crianças e adolescentes.

A coordenadora sugere ainda que as dificuldades de identificação das situações de violência contra estudantes enfrentadas pelos professores ocorrem em função da invisibilidade das violências.

Muitas vezes, o profissional de educação não percebe que alguns comportamentos dos alunos estão relacionados às violações de direitos que sofrem e que o desempenho escolar fica vulnerável a essas situações. Ela lembra que os caminhos para denúncia são os conselhos tutelares e as delegacias. A estratégia de criação e fortalecimento das Comissões Gestoras Locais, formadas por múltiplos atores da rede de proteção dos direitos da infância como, por exemplo, secretarias estaduais e municipais de educação, conselhos tutelares, representantes do ministério público, entre outros.

Essa seria uma maneira para conferir maior capilaridade às atividades, fazendo com que a comunidade escolar participe e tenha contato direto com as discussões e o enfrentamento às violações de direitos.

Avaliação
O relatório final do Escola que Protege, produzido em 2007 pela professora Celina Ellery, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), foi elaborado a partir de depoimentos dos próprios participantes. O documento revela a necessidade da ampliação do projeto para todo o sistema de ensino brasileiro, incorporando-o como parte de uma política pública intersetorializada que abrangeria as áreas da saúde, educação e assistência social. O relatório aponta também a importância de inserir este conteúdo no currículo e nas atividades escolares, notadamente em cidades que apresentem altos índices de violência.


Sugestões de abordagem
1. Seu município possui programas de treinamento e capacitação dos profissionais da rede de ensino para o combate da violência sexual?
2. Os cursos de Pedagogia no seu estado ou município já contemplam disciplinas que tratem sobre o problema da violência?
3. Verifique se a meta de capacitação do projeto Escola que Protege foram cumpridas no seu estado.
4. Verifique a execução orçamentária do seu município e das Universidades Federais que estão cadastradas no projeto Escola que Protege.
5. E nas escolas particulares? Como os professores são preparados para lidar com o tema?
6. Seu estado ou município possui dados estatísticos sobre violência, exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes? As ocorrências têm aumentado ou diminuído?

(ANDI)


Fonte:
Mercado Ético
27.04.2010
Denise de Quadros e Daniel Oliveira, pauta Andi

Enviado por:
Marilda Duarte
www.textoseideias.com.br
Celular 11 8259 9733

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