quarta-feira, 14 de abril de 2010

Compromisso legal

* Matéria do site da Revista Propaganda, enviada por Marilda Duarte.

Patricia Peck Pinheiro explica que cuidados as marcas devem ter ao criar comunicação digital voltada às crianças

Por Renata Guerra

Ao ajudar clientes a desenhar estratégias de comunicação dirigida ao público infantil na internet, a advogada Patrícia Peck Pinheiro, mãe de um menino de 3 anos, descobriu que a maioria do mau uso – uso de imagem sem autorização prévia dos pais, plágio, difamação, entre outros – ocorrido na web ocorre por conta da falta de informação. Constatado o fato, Patrícia idealizou o Movimento Criança Mais Segura na Internet, com o intuito de informar os usuários sobre como deve ser a conduta no mundo digital. Sua importância pode ser mensurada pelo fato de que conta com patrocínio da Fundação Bradesco, Petrobras e Mattel do Brasil. Os filmes de conscientização foram vistos por mais de 1 milhão de pessoas e mais de 5 mil baixaram a cartilha digital desde outubro de 2009, início das atividades do Movimento. Nesta entrevista, ela fala um pouco mais sobre o projeto e de como as marcas devem se prevenir legalmente para construir uma comunicação destinada às crianças na internet.

Qual é o maior desafio de um escritório de advocacia especializado em mídia digital?
Trata-se de ajudar o cliente a construir uma comunicação que atenda a necessidade de inovação. É desenvolver um trabalho que possa trazer interatividade, mas em conformidade legal. Na internet, é muito comum as pessoas passarem dos limites, irem além daquilo que seria o uso responsável. Quando se trabalha com mídia digital, é preciso ter cuidado, porque um incidente negativo pode se espalhar muito rápido e não é possível limpar a internet toda. Quando aconteceu, já era. Então, o pensamento preventivo e proativo é extremamente importante e é nosso maior desafio.

O meio digital é recente e as leis estão sendo formuladas agora. Isso também é uma dificuldade para o escritório...
Exatamente. O que fazemos é uma releitura. Interpretamos uma lei pensada no mundo presencial, baseando-nos nos seus princípios para reaplicá-la no mundo digital. Como as leis estão sendo formuladas agora, surgiu a necessidade de criar uma lei entre as partes interessadas, como uso de contratos específicos para ambientes eletrônicos, termo de uso, política de privacidade, política de segurança. Se não há nenhuma lei tratando disso, a marca tem que se basear nos princípios gerais do direito e escrever a lei entre as partes através desses documentos. É um grande estímulo para o escritório essa capacidade de pensar uma cláusula, algum tipo de contrato que ainda não foi pensado. Temos que inovar do ponto de vista jurídico também.

E prever, principalmente, acontecimentos ruins...
Também. Fazemos estudos de cenários de risco. O mundo sem risco algum não existe. Tentamos diminuir o risco em análise de cenário. É muito comum o cliente querer correr risco, o que ele não quer é correr um risco que não conheça. Ele quer que o escritório explique quais riscos ele vai correr. Isso não quer dizer que ele vai deixar de fazer, ele não quer ser pego desprevenido, ou seja, não conseguir medir as consequências financeiras, de impacto, de imagem. Ele quer um estudo de cenários para tomar a decisão mais consciente possível.

Quais são seus clientes?
Walmart, Unimed, Marisa, Santander, agência de publi-cidade Gringo, construtora Mendes Júnior, entre outros.

Quais são as principais queixas envolvendo publicidade infantil? São aquelas que estão em conflito com artigos do Estatuto da Criança e Adolescente?
O princípio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é valorizar a criança e o adolescente em uma fase de aprendizado, de maior ingenuidade, mas sem retirar dele a capacidade do próprio livre-arbítrio. Por exemplo, uma criança menor de 12 anos precisa estar assistida pelos pais, mas isso não quer dizer que não possa receber a informação. Ela só não pode tomar a decisão por conta própria, por isso a mensagem também tem que estar voltada aos pais. E essas queixas, em algumas situações, são exacerbadas; por exemplo, a queixa de não poder ter personagens associados a marca. Se o personagem tem um propósito, se ele atende a necessidade de a criança ter uma linguagem lúdica, porque a marca não pode criar um personagem para dialogar com a criança?

Você acompanha a discussão sobre o assunto em outros países?
Na Europa e nos Estados Unidos a tendência é de que a marca não possa ofertar produto para a criança, apenas o diálogo construtivo, que estimule interação social, conhecimento. A mensagem “peça para seu pai comprar”, dirigida diretamente a esse público em canal infantil, é restritiva. E numa visão maior, é tentar proteger mais a privacidade do indivíduo, de um modo geral.

Qual o maior desafio em termos de comunicação dirigida a esse público?
São os pais, com toda certeza. A proposta de comunicação não deve só agradar os filhos, mas também atender aos diversos tipos de pais. Vivemos em uma sociedade com pais divorciados; hoje a criança fica muito mais tempo na escola do que antes; muitas são assistidas ou por uma babá ou uma empregada doméstica. Por isso, é muito comum a marca sofrer algum tipo de retaliação pela surpresa, ou seja, os pais não sabem o que o filho está fazendo e querem jogar a responsabilidade para a marca. O desafio é educar os pais. E educando os pais, educamos os filhos, com toda a certeza. Esse é um dos preceitos do Movimento Criança Mais Segura na Internet.

O que o escritório recomenda aos clientes quando eles decidem apostar no meio digital?
A nossa recomendação é trabalhar a informação como uma medida de proteção legal. Se a mídia é destinada ao público infantil menor de 12 anos, o cadastro no site tem que pedir, com preenchimento obrigatório, dados completos dos pais, o contato, principalmente o e-mail desse responsável legal e um número de telefone. Após o preenchimento do cadastro, é disparado do sistema um e-mail avisando o responsável de que a criança passou a participar daquele ambiente, com o termo de uso anexado. Além disso, é necessário que no próprio ambiente haja uma instrução sobre qual é a conduta que a criança deve ter ali. Deve haver uma preocupação educacional em orientar pais e a própria criança. A marca não tem como evitar que aconteça um incidente, que possa ocorrer mau uso ou abuso, mas é responsabilidade dela orientar sobre a prevenção e, caso haja um incidente, ela deve ter um canal de denúncia, isto é, ela tem que ser diligente para a solução daquele incidente.

A importância do termo do uso? Como ele deve ser elaborado?
Como o termo de uso define as regras de conduta do ambiente, para o público infantil é importante que a linguagem do termo de uso não se pareça com a de um contrato. Se a proposta é a leitura e prevenção, ele pode ser apresentado como uma cartilha, contendo uma história, e pode ser inserido na própria navegação. É importante lembrar que se deve pensar também em pais analógicos. Talvez nem eles mesmos saibam direito o que é aquela ferramenta, o que ela pode fazer. Por isso, se aconselha ainda a recomendação de controle parental, isto é, lembrar aos pais de que cabe a eles definir quanto tempo o filho vai ter acesso à internet, cabe a eles usarem uma ferramenta para controle de navegação se entenderem que o uso de internet deva ter algum tipo de monitoramento, entre outros. Em outras palavras, é preciso salientar que a vigilância do que o filho está fazendo na web não é da marca, e sim dos pais. Essa informação é o que costumamos chamar de vacina legal.

As campanhas de publicidade dirigidas a esse público devem seguir alguns valores de conduta. Quais são eles?
Os princípios são estimular a amizade, convivência, o desfecho positivo, benefício, cooperativismo, conhecimento, as capacidades intelectuais e motoras. E, principalmente, não ser uma proposta meramente mercantilista e que gere qualquer tipo de constrangimento à criança. Temos visto casos que a marca gera uma falsa expectativa, porque oferece um brinde, e ele acaba antes do previsto, e isso pode gerar um tipo de constrangimento para a criança. Então, deve-se evitar sempre que haja uma situação de constrangimento.

Como você avalia as campanhas destinadas a esse público?
Em geral, antes da discussão de cerceamento à comunicação destinada ao público infantil, que começou no ano passado, as campanhas ficaram muito mercantilistas e perderam o mote instrutivo. Agora, estamos presenciando o momento de repensar. A própria criação, mídia e marketing estão repensando, para que se traga de volta a essência da comunicação para a criança, que precisa valorizar a construção de valores e não apenas vender. Por exemplo, se a marca ensina como economizar uma semanada para passar um final de semana legal, isso é uma construção de valor. Depois, se a criança usar o recurso da semanada para comprar uma maquiagem, a decisão não é só da criança, mas do pai, que tem o dever parental de recomendar ao filho o que ele vai fazer. O que não podemos dizer é que os adultos, pais, são forçados a atender o que o filho menor quer. O sentimento de culpa e de ausência dos pais não pode recair nas marcas. A criança sempre pediu e sempre vai pedir. Se existe a hora certa para ganhar presente, se a criança fez por merecer, aí a relação é de pai e filho. O que a gente tem visto são marcas que fazem comunicação muito comercial, e pais, por outro lado, que dizem que se eles não comprarem o produto para o filho isso vai gerar um dano moral. A criança sempre vai pedir. O dever de ensinar limite sempre vai ser dos pais e as marcas vão ficar no meio dessa relação.

Você tem filhos? Qual a sua opinião de mãe sobre o assunto?
Com certeza, enfrento na minha casa a situação de ser uma mãe que trabalha bastante e de ter um filho que gostaria de ganhar presentes todos os dias. Com 3 anos, ele já tem seus brinquedos favoritos, programas prediletos, gosta de usar a internet, já pediu um celular, um computador, etc.

Quais são as atividades que as marcas desenvolvem no meio digital para se aproximarem do público infantil?
O mais comum tem sido criar jogos lúdicos. Como a criança gosta de se relacionar, tem sido bastante comum criar ambientes de interação em que ela possa estar com outras crianças na web. Antes, os jogos lúdicos eram pensados para o usuário jogar sozinho; agora, eles já permitem inclusive interação em rede. As crianças com mais de 12 anos costumam buscar informação, novidades, já têm bandas favoritas, gostam de determinados tipos de filmes, entre outros. Por isso, os jogos tratam de temas desse tipo de interesse.

Quais são os sites de referência?
O maior deles, na minha opinião, é o da Disney. No Brasil, o da Barbie, do Senninha e Toddynho.

Você faz alguma comparação entre as mídias digitais e tradicionais em termos de risco?
Sim. A mídia tradicional tem maior apelo comercial, enquanto que a mídia interativa consegue trazer mais um apelo de relacionamento e conhecimento. No entanto, quando acontece um incidente na mídia interativa, que gera mais exposição, corre-se o risco de envolver mais a imagem da criança, que pode parar em qualquer lugar do mundo, em pouquíssimo tempo. Já em uma mídia de massa, ao tirar aquele comercial do ar, ele não fica registrado mais historicamente. A perpetuação de uma coisa ruim no mundo digital é maior, no entanto, a capacidade de ter uma proposta mais instrutiva e atender melhor os requisitos e princípios que o próprio ECA estabelece também é maior.

Em termos de prevenção, quais as diferenças entre as faixas etárias?
Quando o público-alvo da comunicação é formado por crianças com menos de 12 anos, entende-se que há necessidade de contato com os pais. Eles precisam estar cientes do que os filhos estão fazendo, e se for fazer uso de imagem da criança é necessário ter uma prévia autorização expressa dos pais. Já dos 12 aos 18 anos, passamos por duas faixas. A de 12 aos 14 anos é como se o jovem fosse um semiassistido. Os pais precisariam saber de suas ações na internet, mas caberia ao próprio jovem informá-los. Mas se a marca for usar a imagem do adolescente, ainda precisaria da autorização dos responsáveis. E dos 14 ao 18 anos, já se entende que ele pode tomar suas próprias decisões, a marca continua dizendo que os pais devem estar cientes do uso do ambiente, do uso relacionamento, mas vai diminuindo a necessidade de a própria marca coletar uma ciência direta dos pais nessa faixa etária. O risco tende a diminuir conforme o jovem vai ficando mais velho. No entanto, há épocas problemáticas, como a faixa do vandalismo digital, do abuso, de falar mal dos outros, que é entre 12 e 14 anos.

O que é o Movimento Criança Mais Segura na Internet?
É uma iniciativa de capacitar e educar para formar o usuário digitalmente correto, trabalhando a linha de responsabilidade social digital. A proposta é trazer orientação para os jovens, pais, professores e ainda formar voluntários para que haja a sustentabilidade do movimento. Produzimos material pedagógico, que possa ser usado nas instituições de ensino e por qualquer um. A causa é o uso ético e legal da tecnologia, com o pensamento de que se deve utilizar a internet sim, mas do modo certo. Percebemos que 98% dos casos de mau uso envolvem o usuário que não estava agindo de má fé; ele apenas não tinha a menor ideia da lei, de que estava fazendo algo errado.

Como vocês divulgaram o movimento?
Divulgamos na internet, com um website (www.criancamaissegura.com.br) e campanhas em mídia online. Demos palestras em escolas e distribuímos diversos conteúdos de disseminação, como cartilhas impressas e online, ou seja, as próprias pessoas pegam o material e passam para frente. A proposta “viralizante” é bastante forte. Curiosamente, a gente teve maior adesão da mídia cinema do que dos grandes portais da internet. A Circuito Digital (salas de cinema de projeção digital) entrou como apoiador e viabilizou a entrada dos filmes no cinema (ao todo, 288 salas em diversas cidades do Brasil assistiram aos filmes do Movimento). O que queríamos no cinema era pegar o momento em que pais e filhos estivessem juntos e que todo mundo assistisse de uma forma bem proativa. Criamos cinco filmes, com a parceria da produtora Educa, com pequenas histórias que apresentavam regras de conduta digitais. A intenção é que a moral da história contida nos filmes seja capaz de mostrar as regras e leis de valores vigentes. Todo mundo teve esse tipo de educação quando era pequeno; por exemplo, o pai disse ao filho que não era para pegar o que não era seu, mas ninguém ouviu papai ou mamãe dizer não dê control c mais control v no conteúdo alheio.

Como ele começou?
Iniciei esse projeto com a Fundação Bradesco, em 2005. Em um primeiro momento, muitas das empresas patrocinadoras pediram palestras de conscientização para os filhos de funcionários. Daí, resolvemos fazer algo para a comunidade em geral.

Há novidades para este ano?
O canal do EAD (Ensino à Distância) para capacitar mais o Brasil todo, e a gente entrar na mídia out of home.

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