sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Entre tapas e beijos

*Matéria da Revista Nova Escola. Clique aqui para acessar a página original.

Você pode ajudar turmas de creche e pré-escola a expressar os sentimentos com palavras, em vez de recorrer a choro e empurrões

Começar a freqüentar a Educação Infantil significa viver situações inéditas: afastar-seda família, conviver com um grupo maior e fazer atividades em conjunto. Além disso, a criança aprende novas regras de convivência. Tudo isso desperta sensações que, muitas vezes, a fazem sofrer. Como ainda não compreende o que sente (nem sabe lidar com essas novidades), é comum ela reagir fisicamente, batendo nos colegas, mordendo ou chorando.Para lidar com essas manifestações, é importante analisar como está o desenvolvimento da maturidade emocional de cada criança. O ponto de partida é o diálogo com a família, para saber se em casa as reações são semelhantes e para se inteirar de fatos que possam mexer com as emoções dela, como a chegada de um irmão ou a separação dos pais.

Até os 3 anos, os pequenos utilizam principalmente o corpo para se expressar. No caso do bebê, o choro é uma questão de sobrevivência e um alerta de que ele precisa de atenção. Com o passar dos anos, no entanto, esse artifício fica mais complexo. "Apesar de ter origem orgânica, as lágrimas produzem um efeito social logo percebido pela criança", diz a pesquisadora Heloísa Dantas, autora de A Infância da Razão. Esse uso sofisticado do choro e de manifestações corporais - como bater num colega ou destruir brinquedos - faz com que a mensagem seja logo compreendida pelos adultos.

Maria Rocicler da Cunha Silva, professora da creche-escola Casa da Tia Léa, em Fortaleza, destaca uma situação. Um menino de 4 anos, com histórico de dificuldade de adaptação em outras escolas, alternava momentos de hiperatividade e de apatia. Às vezes, destruía objetos, em outras falava pouco. Ao conhecer os pais, ela percebeu que a criança estava abalada por sentir que a família o via como "garoto problema". Resultado: os amiguinhos não queriam brincar com ele por considerá-lo violento.

A professora começou a trabalhar na reversão dessa imagem. Como o menino tinha habilidade para desenho, ela começou a mostrar à turma as qualidades do colega. Lançou-o como ilustrador oficial da sala: ele ensinava todos a traçar determinada figura e ajudava nas atividades de Artes. Aos poucos, a classe passou a enxergá-lo de maneira diferente. "Sentindo-se aceito, ele se envolveu menos em conflitos", conta Maria Rocicler. Com muita conversa, está aprendendo a dominar melhor seus momentos de raiva, frustração e agitação.

Letícia Nascimento, coordenadora do curso de Pedagogia da Universidade Mackenzie, em São Paulo, diz que a atuação de Maria Rocicler "faz com que a criança não seja encarada como um ruído em sala". Segundo ela, é papel do professor utilizar as qualidades de cada um para ajudá-los a lidar com os problemas. Uma boa atividade é a roda de conversa. Nela, cria-se um ambiente em que todos falam como se sentem em relação a episódios ocorridos em classe ou em casa.

Diferentes necessidades

A partir dos 3 anos, a criança traça os pilares de sua vida afetiva. Ela quer sentir-se amada e reconhecida pelas pessoas que a cercam. O carinho é importante e as intervenções do professor em situações de conflito devem ter essa tônica. "O educador precisa ser firme ao mostrar limites, mas manter a calma e não gritar", orienta a psicanalista Ana Carolina Carvalho. Se for o caso de punição, é preciso manter a lógica e ligar o castigo à reversão do problema causado, nunca à restrição de outra coisa.

"Se alguém quebra a boneca da colega, deve ajudar a consertar", conta a professora Alessandra Alves, da Casa da Tia Léa. Quando duas crianças de sua turma de 4 anos entram em conflito, ela as chama para uma conversa. "Lembro que o colega tem de ser tratado com respeito."

Em qualquer momento, a criança deve ser estimulada a expressar os sentimentos por meio da fala - não do corpo. Mas, para fazer isso, é preciso identificar a emoção que causa o desconforto. E o professor pode ajudar a compreender, por exemplo, por que o pequeno quer rasgar o trabalho do colega. Nessa hora, é uma boa fazer perguntas como "Você está nervoso? Não conseguiu pegar o giz que queria?" e dar soluções: "Converse com seu amigo com calma e peça para usar o giz depois". Assim, todos notam que podem ter o que desejam na base do diálogo.

A articulação verbal e o controle das emoções geralmente caminham juntos e são atitudes que podem ser aprendidas. Com a aproximação do final do ciclo da infância, a criança começa a se interessar menos por conflitos internos e pelo que está no seu círculo de relações e passa a focar-se no mundo ao seu redor para conhecê-lo e entendê-lo. Esse passo se dá de maneira mais saudável quando ela usa a razão para controlar os sentimentos. "O interesse pelo conhecimento leva ao amadurecimento emocional e vice-versa", afirma Letícia Nascimento. O desafio de se manter na esfera do racional, porém, estará presente até a idade adulta. "Afinal, emoção e razão têm uma relação dialética, se complementam."


*Foto copiada da reportagem (autor: Draulio Joca)

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